O Fogo A Cinza, de Xavier Zarco, que obteve o prémio na modalidade de “poesia”, ganha sentido a partir deste par de palavras, aparentemente de sentido paradoxal, mas inevitável, uma vez que uma – a cinza – é consequência do outro – o fogo. O fogo e a cinza acabam por prefigurar dois momentos de um processo, o da construção do poema sobre a bigorna, com o auxílio do fole e do malho, saindo, de objectos tão estridentes, a palavra alada, múltipla de significações e de poderes.
Para este poeta, a palavra é o centro do trabalho oficinal – ela integra um corpo e é moldada, de forma a integrar um poema pela sua qualidade de ser “alada”. Mas o trabalho da palavra chega à sua decomposição, isto é, ao processo que o poeta-artesão enceta, fazendo de cada malho uma sílaba para que de cada poema nasça um corpo, as labaredas do fogo.
A palavra forjada vira arte e poema, resulta de trabalho. A memória é a cinza, o que resta, depuração e essência ou fruto e consequência. Assim o poeta poderá dizer:
remexe a tenaz a madeira
afaga-lhe lento o fogo
a face
esboça-lhe o caminho de ser cinza
Neste texto O Fogo A Cinza, a palavra é valorizada enquanto processo de nomeação, enquanto elemento de uma construção de um edifício que o poema tem de ser. Daí que, como o poeta diz,
é na casa do poema
em seus rituais
que se decifram todos os sentidos
João Reis Ribeiro
Sessão de apresentação do livro
"VII Concurso Literário Manuel Maria Barbosa du Bocage"
no Salão Nobre da Câmara Municipal de Setúbal
em 21 de Dezembro de 2005
A plasticidade do verso, seu encontro nas arrestas da página, parece ser o motor primeiro deste autor. Ao nascer, a poesia faz-se emblemática. Um leve toque de percepções pictóricas lava o verbo, enxuga as palavras. Mas isto até um certo ponto, pois Zarco não se rende completamente ao império do silêncio.
Compactuando com a docilidade de palavras muitas vezes virgens, cataliza momentos de extrema beleza. Desenham-se quadros na página branca. Talvez o poeta se esqueça da lição fundamental de Verlaine "antes de tudo, a música", mas é que as imagens são fortes demais. Não é à toa que cita Munch, em A VISÃO, poema despertado e subitamente surpreendente.
De pleno, nada descubro
no horizonte. A magia não brota
na chama fugaz de um olhar
que não se espanta com a luz.
Eis um quarteto construído com duras lapidações. Enxergam-se elipses em cada verso. São frestas em um muro intransponível. O verso se arrasta quase naturalmente, se não fosse a síncope, que nos lembra a calma refletida de peças para o piano de Schoenberg. Não mentem as filiações. Muita vez vejo Fernando Pessoa em Zarco. D'outra feita, é mesmo o lirismo ruborizado, o refrescar-se de Garcia Lorca. Referências mediterrâneas, bem escondidas, com arte, como deve ser.
A memória é um material sempre fértil para os poetas, e Zarco apreende o sentido profundo do desdobrar sobre si mesmo: As mão do homem solitário é que prepararão o futuro, já que elas erram menos, disse-nos Rilke. E é isso que eu vejo nas criações do colega luso.
Andityas Soares de Moura (Brasil)
Poesia de uma concisão enormemente sugestiva.
José Luís García Martín (Espanha)
O corpo e a letra deste Autor são um "vaso onde as vozes se entregam ao desejo de voar". Para Xavier Zarco, efectivamente, fazer Poesia é escrever "o murmúrio do vento no dorso alado dos cavalos do verso". Amada, alada, e aureolada lição, murmurar ou ler este livro é dar asas ao dervixe e à dança que existe no cosmos.
Artes & Letras (Fevereiro de 1999)
É a paisagem das letras no desejo implícito de uma realização sublime em final infinito.
Folha de Santa Clara (Outubro de 1998)
Hermosísima su poesía.
Ana Emília Lahitte (Argentina)